Um Causo Político - Ecológico
Pelágio
Lafayette Jr, funcionário público concursado, com seis prefeitos no seu
currículo. Pela sua dedicação, ou segundo alguns colegas, pelo seu
"puxa-saquismo crônico" sempre ocupava cargos comissionados no
segundo escalão. Leitor e frequentador assíduo da Biblioteca Municipal, seu
livro de cabeceira era a trilogia FEBEAPÁ – Festival de Besteiras que Assola o
País, do jornalista Sergio Porto -"Stanislaw Ponte Preta". O Festival
escrito na década de 1960 relata as muitas ações da época da Ditadura Militar, onde
abundava as besteiras dos censores e das "otoridades necessitadas de
aparecer na mídia". Nas reuniões do café da tarde na prefeitura, Pelágio
gostava de citar os causos do FEBEAPÁ, performático ao narrar as histórias,
sempre associava algum político local como personagem da narrativa. Diversão
garantida!
Perto de
sua aposentadoria assumiu um novo prefeito. A eleição foi acirradíssima e
polarizada entre os dois partidos mais fortes da cidade. O PTGQ – Partido Tradicionalista Gente de Quem, que administrou a
cidade nos últimos anos e o PBS –
Partido do Bolchevista Sonhador, que fez forte oposição à administração anterior e ganhou a eleição com larga
margem de votos. Na posse do novo prefeito, uma frase no discurso marcou para
Pelágio qual seria o seu destino. "A história desta cidade começa a ser
escrita agora... chega de tradição". O recado estava dado. Ele membro
ativo desde a fundação do PTGQ,
perdeu o seu cargo comissionado na prefeitura e foi designado para servir na
Secretaria de Obras e Meio Ambiente. O novo posto na realidade era uma
"geladeira". Ele não tinha autorização para fazer nada. Ordens
superiores... Ficava encostado o dia todo sem ter o que fazer, nem seus livros
ele podia ler! A situação deixava-o vexado. Mas era paciente! Atento aos
detalhes da administração sabia que seu "ostracismo ditatorial" não
ia durar para sempre.
Após dois anos, enfim apareceu a sua grande
oportunidade! O prefeito atendendo a uma solicitação e ação judicial do Clube
dos Lojistas determinou o corte de vinte árvores em plena florada e, também, a
retirada dos seus canteiros na Rua Direita, centro da cidade. Foi uma crise sem
precedentes! Ambientalistas, a imprensa escrita e falada, comerciantes e parte
da população ecologicamente ativa ficaram indignadas com o corte das árvores.
Nas redes sociais os paladinos e a "paladina" oficial do prefeito,
tentavam a todo custo reverter a crise. Sem efeito! O Secretário de Obras e
Meio Ambiente, prevendo os problemas que enfrentaria, rapidamente tirou umas
férias (já vencidas, tinha o direito!). O gerenciamento da crise caiu no colo
de Pelágio. O Secretário de Governo julgava que, dentre os funcionários da
secretaria ele seria o mais capacitado e letrado para elaborar e redigir um bom
release para a imprensa. Ele aceitou prontamente a honrada incumbência,
comprometendo-se perante o Prefeito e demais secretários, a redigir o documento
com muita transparência. Sua missão era "inocentar totalmente" a
administração municipal. Sentiu-se orgulhoso pelo voto de confiança que
recebera da administração municipal.
Munido de
todo processo, recortes do jornal, prints dos comentários nas redes
sociais e do memorando com as orientações para o release, ajeitou
calmamente a papelada na mesa e trocou a fita da sua Remington BJ, relíquia de
seus quase trinta anos de prefeitura. Não usava computador, era tudo
datilografado e, somente usando um único dedo, o indicador da mão direita. Era
rápido e preciso na sua BJ, não errava um único memorando. Não perdeu tempo e
datilografou:
Em razão do mal entendido sobre a retirada das
árvores da Rua Direita, que alguns cidadãos, equivocadamente, falam que foram
"cortadas", a Prefeitura Municipal vem respeitosamente esclarecer que
a referida obra foi executada para cumprir uma decisão judicial. A ação na
justiça local foi proposta pelo Clube dos Lojistas, que apontou desperdício de
recursos públicos com a construção dos canteiros e no plantio das árvores.
Esclarecemos que após minuciosa auditoria interna, chegou-se ao consenso que a
ação judicial foi procedente. O Senhor Prefeito indignado com o mau uso do
erário público, pela administração do PTGQ, expediu prontamente a ordem para a
retirada total dos canteiros e das árvores, eliminando assim, para sempre, mais
uma das inúmeras "heranças malditas" deixadas pela administração
anterior. Para o nosso Líder "as espécies plantadas foram escolhidas de
forma incorreta, como são também as árvores da Rua Major Sólon, com as suas
calçadas largas, sombreadas e com seus canteiros floridos e cuidados pelos
próprios lojistas. Não podíamos permitir acontecer duas vezes o mesmo erro de
projeto! Outro ponto importante para que a população entenda que, além de não
serem compatíveis com o local, as árvores causavam problemas na rede elétrica;
mesmo que os postes de energia estivessem do lado oposto da rua, como a Avenida
do Cemitério, onde árvores e postes convivem em harmonia, fazendo sombras além
do necessário". Concluiu o exasperado Alcaide.
O Secretario de Obras e Meio Ambiente, interrompeu
as suas merecidas férias para esclarecer, via telefone, que está tranquilo
quanto à execução da obra: "Retiramos as árvores sim! Acatamos uma ordem
judicial e critérios técnicos também foram avaliados, onde foi provado
cientificamente que as espécies não eram adequadas ao local, ELAS CRESCEM NA VERTICAL e, comprometem a rede de energia
elétrica" Concluiu convictamente aquele secretário.
Já o Secretário de Governo, comedido como sempre,
analisou o caso de uma forma positiva: "esta manifestação toda foi criada
por quem plantou aquelas árvores e, sabem do erro que cometeram! Nossa
administração atenta às demandas populares, fez com que tivéssemos um momento
de reflexão e aprendizagem: Não devemos plantar árvores que crescem na vertical
em vias públicas! Portanto, já preparamos um projeto de Lei que será enviado à
Câmara Municipal, onde temos a maioria e, que nos obedecem cegamente, para
proibir definitivamente em nossa cidade o plantio de árvores que cresçam na
vertical". Afirmou, categoricamente, o Secretário.
O presidente do Clube dos Lojistas, autor da ação
judicial, contatado por esta assessoria em sua residência, no vizinho município de Vila de São Carlos, foi enfático, mas confuso na
sua declaração: "Nós somente fazemos o que os associados querem e,
principalmente, o que a Prefeitura pede. Estou cônscio das atitudes que tomamos
e continuaremos trabalhando firmemente para a integração da nossa entidade com
o poder público. Todas as solicitações que nos chegam são
prontamente atendidas, como a recente implantação do Caça Níquel Rotativo em
diversas áreas do nosso centro comercial. Com a expansão do estacionamento
regulamentado a prefeitura aumentou a sua arrecadação significativamente! Foram
aplicadas milhares e milhares de multas que contribuíram para o desenvolvimento
econômico do município e, para os críticos, cito mais um ponto positivo para
implantar os Caça Níqueis: por nossa sugestão, todas as moedas arrecadadas nos
parquímetros abastecem os comércios de cidades de toda a região." Finalizou o industrial, presidente do Clube
dos Lojistas.
O release
foi um sucesso! Publicado na íntegra, na imprensa local e compartilhado
milhares de vezes nas redes sociais, se tornou o meme do momento na cidade. Desde então, Pelágio foi designado o quarto
assistente do assessor do administrador do arquivo morto da prefeitura,
localizado ao fundo do lixão municipal. Porém, feliz e com a alma lavada! Agora
realmente não tem nada o que fazer, tem um belo salário, pode ler os seus
livros e... Levou consigo a sua Remington BJ.
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com
nomes, alcunhas, pessoas, cargos, entidades, autarquias, personagens,
autoridades, localização, acontecimentos ou fatos da vida real será mera
coincidência.
Publicado no Jornal de Itatiba, Coluna Opiniões, em 12 e 19 de setembro de 2020
Parabéns Fabio! Gostei muito da sua cronica.Carapuça que serve a muitos politicos.
ResponderExcluirMuuuuto bom! Realmente deve ser uma ficção. Árvore com crescimento vertical? rs
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