quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Nem o Google explica a Nova Era




Outubro de alguns anos atrás . Eleições numa pequena e típica cidade do interior paulista que, como quase todas, tem suas peculiaridades e seu dicionário próprio. Os eleitores, cansados dos antigos mandatários, queriam mudanças políticas e administrativas.

Elegeram um novo prefeito, apadrinhado de um antigo e prestigiado ex-prefeito. Euforia total. Agora a cidade iria entrar nos trilhos! Nas redes sociais, ferviam elogios ao novo e jovem alcaide. Sem coronéis, excetuando o padrinho. Era o início de uma Nova Era “para reconstruirmos nossa cidade”, como a administração mencionou no seu primeiro carnê de IPTU.

Após o descanso merecido pós-eleitoral, o jovem prefeito iniciou a transição e a composição do futuro secretariado. Tudo feito com muita democracia, participação popular, transparência e critérios. Os nomes de vários secretários foram definidos, previamente, pela alta cúpula estadual do partido. Soldados fiéis, de pronto aceitaram e, após consultarem o Google Maps, encontraram a nova terra prometida.

Os novos secretários foram apresentados na cerimônia do beija-mão. Evento concorridíssimo. O responsável pelo cerimonial, um dos funcionários mais antigos da municipalidade, fazia três perguntas logo na entrada: o nome, gente de quem e o cargo. Anotava num pequeno cartão para ser anunciado na apresentação. Após cada fala, sempre ovacionada com vivas e aplausos, todos prometeram fidelidade ao novo prefeito e ao seu projeto de uma Nova Era de poder.

 Aberta a palavra ao assessor responsável pela transição, nativo da terra, este fez algumas recomendações para os secretários de três áreas: trânsito, obras públicas e segurança:

 - Senhores, precisamos de atitudes que demonstrem ao povo que nossa cidade vai mudar.  Uma Nova Era se inicia neste momento! Para tanto, é preciso algumas ações rápidas e precisas! Essas ações irão mostrar o dinamismo de nosso prefeito e de nossa administração.  Vou dar três exemplos do que podemos fazer: o trânsito na cidade parece piada de português. Principalmente nas ligações do Cubatão com o Curintinha e do IAPI ao Coroado e o cruzamento da Vila da Prata. Mas não se esqueçam do Pito Aceso e do Sapo!  Acertem o trânsito nesses pontos que vamos começar com uma imagem positiva perante a opinião pública.

O preposto a novo diretor do trânsito de pronto retrucou:

- Vou estudar com carinho, mas o sapo é com o Meio Ambiente!

O assessor nativo continuou:

- Para obras, Bentinho, nosso assessor responsável pela rádio peão, teria “ouvido falar qualquer coisa” no Jardim da Cadeia que, desde que a época em que Pinhá pediu, ainda não limparam o Rego do Xofe. Quando chove, a vizinhança da Dita Maranhão fica em perereco. Com esta obra bem feita, vamos mostrar a eficiência do nosso serviço público. E, para finalizar, a segurança: tem muito ligeira na Rodoviária. Tirando os ligeiras da cidade, vamos mostrar que estamos empenhados e preocupados com a segurança da cidade.

O Google novamente foi acionado: Cubatão, IAPI, Coroado, Vila da Prata, Jardim da Cadeia, ligeiras, rego de quem?  "Do que, diabos, ele está falando?, indagou o secretário de planejamento ao colega ao lado. "Deve ter endoidado ou tomado umas."

Terminada a reunião, o cerimonial anunciou o churrasco de confraternização e entregou a todos os  convites. Por economia, deveriam trazer as suas bebidas.

- A vasca estará repleta de gelo, avisou o chefe do cerimonial. No local vão encontrar uma ampla área de lazer com boléu para as crianças brincarem, um belo calipá para caminhadas  e um rapadão. Portanto, todos devem trazer no sapicuá a bicanca para uma pelada. No calipá, já foi passado um bom detefom para matar os carrapatás e a pioiada. O convescote será realizado num aprazível sitio de fácil acesso no Bairro dos Tontos, perto da Ponte Nova.

Dos secretários "estrangeiros", nenhum compareceu. Não acharam o local no Google Maps e ficaram com vergonha de perguntar aonde era o bairro. Outros ficaram mais receosos ainda com  a vasca, o sapicuá,  a bicanca e o carrapatá. O boléu, então, foi decisivo:

- Quem em sã consciência deixaria uma criança brincar em um boléu!, exclamou veementemente um dos secretários

 Não iriam correr riscos e passar vergonha, alegaram compromissos “anteriormente” assumidos por suas esposas. Tomaram posse, mas continuaram sem entender nada da cidade. O salário, porém, o compensava.

* Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança nomes, pessoas, fatos, acontecimentos ou fatos da vida real terá sido mera coincidência.

**Em caso de dúvidas, acesse o Glossário no próximo post 

Artigo publicado no Jornal de Itatiba, Coluna Opiniões em 14/10/2018


2 comentários:

  1. Fábio, adorei esse texto!!! Parabéns!!!Gente de quem, boleu, carrapatá!!! Linguagem bem nossa!!

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    1. Obrigado...gostaria de citar o seu nome mas não tem na mensagem

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