Outubro de
alguns anos atrás . Eleições numa pequena e típica cidade do interior paulista
que, como quase todas, tem suas peculiaridades e seu dicionário próprio. Os
eleitores, cansados dos antigos mandatários, queriam mudanças políticas e
administrativas.
Elegeram um novo
prefeito, apadrinhado de um antigo e prestigiado ex-prefeito. Euforia total.
Agora a cidade iria entrar nos trilhos! Nas redes sociais, ferviam elogios ao
novo e jovem alcaide. Sem coronéis, excetuando o padrinho. Era o início de uma
Nova Era “para reconstruirmos nossa cidade”, como a administração mencionou no
seu primeiro carnê de IPTU.
Após o
descanso merecido pós-eleitoral, o jovem prefeito iniciou a transição e a composição
do futuro secretariado. Tudo feito com muita democracia, participação popular, transparência
e critérios. Os nomes de vários secretários foram definidos, previamente, pela
alta cúpula estadual do partido. Soldados fiéis, de pronto aceitaram e, após
consultarem o Google Maps, encontraram a nova terra prometida.
Os novos
secretários foram apresentados na cerimônia do beija-mão. Evento concorridíssimo.
O responsável pelo cerimonial, um dos funcionários mais antigos da
municipalidade, fazia três perguntas logo na entrada: o nome, gente de quem e o cargo. Anotava num
pequeno cartão para ser anunciado na apresentação. Após cada fala, sempre
ovacionada com vivas e aplausos, todos prometeram fidelidade ao novo prefeito e
ao seu projeto de uma Nova Era de poder.
Aberta a palavra ao assessor responsável pela
transição, nativo da terra, este fez algumas recomendações para os secretários
de três áreas: trânsito, obras públicas e segurança:
- Senhores, precisamos de atitudes que
demonstrem ao povo que nossa cidade vai mudar. Uma Nova Era se inicia neste momento! Para
tanto, é preciso algumas ações rápidas e precisas! Essas ações irão mostrar o
dinamismo de nosso prefeito e de nossa administração. Vou dar três exemplos do que podemos fazer: o
trânsito na cidade parece piada de português.
Principalmente nas ligações do Cubatão
com o Curintinha e do IAPI ao Coroado e o cruzamento da
Vila da Prata. Mas não se esqueçam do Pito
Aceso e do Sapo! Acertem o trânsito nesses
pontos que vamos começar com uma imagem positiva perante a opinião pública.
O preposto a
novo diretor do trânsito de pronto retrucou:
- Vou
estudar com carinho, mas o sapo é com o Meio Ambiente!
O assessor
nativo continuou:
- Para
obras, Bentinho, nosso assessor
responsável pela rádio peão, teria “ouvido
falar qualquer coisa” no Jardim da Cadeia
que, desde que a época em que Pinhá
pediu, ainda não limparam o Rego do Xofe.
Quando chove, a vizinhança da Dita
Maranhão fica em perereco. Com
esta obra bem feita, vamos mostrar a eficiência do nosso serviço público. E, para
finalizar, a segurança: tem muito ligeira
na Rodoviária. Tirando os ligeiras da
cidade, vamos mostrar que estamos empenhados e preocupados com a segurança da
cidade.
O Google novamente
foi acionado: Cubatão, IAPI, Coroado, Vila da Prata, Jardim da Cadeia, ligeiras,
rego de quem? "Do que, diabos, ele
está falando?, indagou o secretário de planejamento ao colega ao lado. "Deve
ter endoidado ou tomado umas."
Terminada a reunião, o cerimonial anunciou o churrasco de
confraternização e entregou a todos os convites. Por economia, deveriam trazer as suas
bebidas.
- A vasca estará
repleta de gelo, avisou o chefe do cerimonial. No local vão encontrar uma ampla
área de lazer com boléu para as
crianças brincarem, um belo calipá para
caminhadas e um rapadão. Portanto, todos
devem trazer no sapicuá a bicanca
para uma pelada. No calipá, já foi
passado um bom detefom para matar os carrapatás
e a pioiada. O convescote será realizado num
aprazível sitio de fácil acesso no Bairro
dos Tontos, perto da Ponte Nova.
Dos secretários
"estrangeiros", nenhum compareceu. Não acharam o local no Google Maps
e ficaram com vergonha de perguntar aonde era o bairro. Outros ficaram mais receosos
ainda com a vasca, o sapicuá, a bicanca e o carrapatá.
O boléu, então, foi decisivo:
- Quem em sã
consciência deixaria uma criança brincar em um boléu!, exclamou veementemente um dos
secretários
Não iriam correr riscos e passar vergonha, alegaram
compromissos “anteriormente” assumidos por suas esposas. Tomaram posse, mas continuaram
sem entender nada da cidade. O salário, porém, o compensava.
* Esta é uma obra de ficção, qualquer
semelhança nomes, pessoas, fatos, acontecimentos ou fatos da vida real terá
sido mera coincidência.
**Em caso de dúvidas, acesse o Glossário no próximo post
Artigo publicado no Jornal de Itatiba, Coluna Opiniões em 14/10/2018
Fábio, adorei esse texto!!! Parabéns!!!Gente de quem, boleu, carrapatá!!! Linguagem bem nossa!!
ResponderExcluirObrigado...gostaria de citar o seu nome mas não tem na mensagem
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