"Vou-me
embora pra Pasárgada
Lá
sou amigo do rei"
Manuel Bandeira, poeta (1886-1968).
Sonhei com Utopia, uma adorável cidade no reino
de Pasárgada. "Lá a existência é uma
aventura, de tal modo inconsequente", que na política a situação faz
oposição e a oposição vota a favor da situação. Se o projeto for bom para a
população, aprovam e, se for ruim, reprovam. Simples! Ocasionalmente aparecem
alguns dissidentes magoados. Nesses casos, no final da votação, o presidente da
casa cita (por determinação do regimento), Manuel Bandeira: "A tiririca sitia os canteiros
chatos".
O legislativo "tem um processo seguro" de barrar nomeações. Certa ocasião,
para o cargo de diretor do "Distrito Imaginativo", foi indicado um candidato
que residia 30 léguas distante da cidade. Na sabatina do Parlamento Municipal
(igual o Senado para ministro do STF), o indicado não soube explicar onde
ficavam os principais bairros da regional para a qual fora nomeado. Nomeação
rejeitada por 15 x 1. A fundamentação nos autos pelo relator foi incontestável:
como pode ser diretor do Distrito Imaginativo se não conhece a Fantasia, o
Sonho e a Ilusão?
Lá também "tem um processo seguro" (diferente do primeiro), de impedir a nomeações
de parentes, cônjuges, agregados, noras, genros, sogras e, principalmente, os
contraparentes e namoradas que os vereadores nunca tiveram. O artigo 1º do
regimento do parlamento é claro: "Proibido o lirismo do nepotismo". O
artigo 2º corrobora o 1º: "Nesta casa, a 'Lei de Gerson' não tem nenhuma
prerrogativa".
No sonho (onde tudo é possível), fui eleito
alcaide de Utopia. Fizemos uma transição e reformas como um "Cowboy fora
da Lei". Havia muitos amigos do rei querendo manter as benesses
conquistadas (lá tem muito peso ser amigo do rei).Tanto que, numa antiga
gestão, só no primeiro escalão eram oito advogados e algum cargo de moleza
(estritamente técnico!), todos amigos do rei. Para qualquer indagação, os
doutores tinham sempre as mesmas desculpas: "Data venia! A priori, existe
necessidade urgente dos processos a processar, mas veja bem, somente se não
houver demandas a demandar! Mas tudo irá depender do parecer do Amicus
curiae".
E, quanto ao cargo de moleza (estritamente
técnico e amigo do rei!), como uma andorinha vivia dizendo:
-"Passei o dia à toa, à toa".
Em Utopia era corrente os edis irem aos eventos
para tirar fotos com o alcaide. Bastava ele estar numa cerimônia ou
fiscalizando uma obra para vários deles aparecerem com o celular em punho para
as selfies. Para resolver o excesso de uso e abuso do lucro político do serviço
alheio, foi sugerido "ao pé da orelha" para o presidente de um bloco
carnavalesco, conhecido na cidade por sua ironia e crítica política, fazer um
concurso pelas redes sociais: "O Papagaio de Pirata da Semana". Só teve
uma edição e não houve mais nenhuma selfie com o alcaide.
Olha que ser prefeito não é fácil, até no sonho
eu já estava cansado. Eram eventos de formaturas, premiações, inaugurações,
reinaugurações, re-re-reinauguração, corridas, caminhadas, intermináveis e
tediosas reuniões e a carreta furacão. Ufaaaaa! Prefeito precisa descansar! Eu
estava em Utopia no reino de Pasárgada, então aproveitei... "e quando estiver cansado/ deito na beira do
rio/ Mando chamar a mãe-d'água/ pra me contar histórias/que no tempo de eu
menino"... O ribeirão ainda ostentava orgulhoso a sua mata ciliar e
tinha suas nascentes preservadas.
Num repente o meu sonho mudou, vi um alcaide (que
não era eu!) na beira do ribeirão e, pasmem, estava "dançando com o ex-prefeito municipal". Juntos comemoravam as suas
marcas pessoais no combate às enchentes. Pensei: é um momento "tão Brasil..."e "ninguém se lembra
de política". Achei estranho, pois, lá em Utopia, impera a mentalidade
de um "novo poder" e "um
processo seguro" de envolvimento participativo da sociedade nos
principais projetos da municipalidade. Todas as iniciativas da administração
são validadas pela comunidade! Lá não tem problemas de comunicação, crises e
desgastes políticos. E "não
trucidariam o rio!"
Acordei bem confuso! Não conseguia lembrar o que
era sonho ou realidade. Naquele momento realmente eu desejei ir-me embora pra
Pasárgada! Pedi desculpas ao poeta e ouvi um sussurro no meu ouvido:
- "A
única coisa a fazer é tocar um tango argentino"
Pedi desculpas novamente, mas tive que
desobedecer. Achei que o melhor para a ocasião era cantar Raul Seixas:
"Mamãe, não quero
ser Prefeito.
Pode ser que eu seja
eleito"
Raul Seixas
(1945-1989) – Cowboy Fora da Lei
Fabio Chrispim Marin
Publicitário, presidente dos Demônios Acadêmicos
da Benjamin - desde sempre. Ocioso e sem o carnaval.
Publicado no Jornal de Itatiba de 08/01/2022. Coluna Opiniões.
Esta é uma obra de
ficção, baseada na obra do poeta Manuel Bandeira, apesar de qualquer semelhança
com nomes, apelidos, profissões, políticos, alcaides, edis, pessoas, fatos,
poetas, poemas, acontecimentos ou fatos da
vida real terá sido mera coincidência.
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Fabiao, está se superando, cada vez melhor. Parabéns.
ResponderExcluirFabiao, está se superando, cada vez melhor. Parabéns. Dilson
ResponderExcluirMágico !
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